Se você é professor de português (ou
linguista), certamente já ouviu uma das seguintes perguntas: a) a palavra “x”
existe? Como se escreve a palavra “y”? Qual é a pronúncia correta da palavra
“z”? Qual o sentido da palavra “w”? Se você não é nem professor de português
nem linguista (e mesmo sendo), certamente também já fez alguma dessas
perguntas, ou todas. A razão para sua ocorrência constante é que elas são as
questões mais comuns que ocorrem aos falantes curiosos em relação às palavras
ou às possíveis palavras de uma língua.
Em geral, espera-se que haja para
essas perguntas uma resposta categórica, do tipo sim-não (tal palavra existe,
tal palavra não existe) ou tipo “a” ou “b” (a escrita correta é tal, a
pronúncia correta é tal, o sentido da palavra é esse e não aquele). Essas
respostas são certamente as esperadas, mas, invariavelmente, repostas
categóricas como essas são problemáticas. Pelo menos, são frequentemente
problemáticas. Respostas mais adequadas são de natureza diferente, mais ou
menos como as seguintes: a) Se tal palavra existe? Depende. Você não acabou de
dizê-la? Ouviu de quem? Ou: que eu sabia, não. Ou: é usada em tal região, e em
tal profissão. Ou: existe, é uma palavra francesa (ou inglesa, ou da língua tal
e tal). A pronúncia? No sul ou norte? Neste século ou no passado? No Brasil ou
em Portugal (na Inglaterra ou nos Estados Unidos)? Como se escreve? Veja no
dicionário, mas saiba que sua grafia já foi outra. Você viu essa palavra
escrita de forma estranha? Quer saber por que isso ocorre? Bem, uma grafia
errada tem muitas vezes boas explicações. O sentido da palavra? Ih, meu, agora
ficou difícil. Em geral, as palavras significam tantas coisas! Você já olhou
num dicionário? Já notou que é difícil encontrar palavras com um sentido só?
Nunca olhou? Faça uma experiência: comece bem no começo. Bem no começo mesmo,
no “a”. Você verá que nem mesmo o “a” é uma coisa só. Descobrirá o óbvio: que o
“a” pode ser uma letra, uma preposição, um artigo, uma conjunção, uma vogal.
Estamos (ou estivemos) muito
acostumados a uma ideia normativa da língua. Ela seria imóvel, imutável, fixa.
Seria, ainda, um código perfeito. Por isso, cada pergunta deveria ter uma
resposta só, e correta desde sempre e para sempre. Mas a realidade não é assim.
Isso só poderia valer para uma língua inventada (e que não funcionaria de jeito
nenhum). As línguas costumam ter alguns aspectos rigidamente organizados e
outros móveis e variáveis. O princípio vale também para as palavras. Às vezes,
é muito difícil decidir se uma palavra existe, ter certeza de sua
pronúncia-padrão, ou ter outras certezas, qualquer uma.
Faça testes com palavras como
“obeso”, “bandeja”, “caranguejo” etc. E não se esqueça de discutir a pronúncia
de “subsistir”, por favor. Para saber o sentido das palavras, frequentemente
temos que saber em que contexto foram usadas. Há muitas coisas interessantes
sobre as palavras, além de sua impossível uniformidade e bom comportamento, que
fomos acostumados a procurar descobrir. Aliás, é muito interessante olhar para
elas como se olha para outros fenômenos da natureza. É mais instigante querer
saber como se comportam de fato no mundo (o mundo de uma língua é seu uso por
muitos falantes bastante diferenciados em numerosos contextos), do que querer
congelá-las numa redoma.
1. In: Sírio Possenti. A cor
da língua e outras croniquinhas de linguista. Campinas: Mercado de Letras,
2001, pp. 125-126.
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