Bianca Borgianni
O que é best-seller?
Em termos literais, chamamos de best-sellers os livros que
figuram ou figuraram na lista dos mais vendidos das livrarias. Essa definição
não é suficiente, pois pode levantar questões do tipo: “mas então Machado de
Assis escreveu best-sellers? Saramago escreveu best-sellers? Flaubert escreveu
best-sellers? Porque todos esses livros um dia figuraram na lista dos mais
vendidos...”. Para reduzirmos um pouco nosso campo de pesquisa, vamos deixar de
lado os livros clássicos que um dia foram os mais vendidos (pois esta questão
demandaria uma análise sócio-histórica bastante aprofundada) e nos focar
naqueles livros que primeiro nos vem à mente quando alguém fala que leu um
best-seller: tais como Harry
Potter, a saga Crepúsculo, O Código da Vinci, Paulo Coelho
etc. Livros nos quais o processo de escrita está intimamente vinculado ao
sucesso de vendas, elaborados com o objetivo de atingir um grande público e,
portanto, produtos da indústria cultural.
Essa ideia de um autor ser reconhecido pela quantidade de livros
que vende não existe desde sempre. Antes do século XVIII, os escritores
produziam sob o regime de mecenato,
ou seja, eram financiados por alguém abastado, um mecenas que bancava os custos
da publicação e garantia uma vida confortável para o artista produzir
livremente. Este tipo de relação não exigia que o autor escrevesse livros que
agradassem a maioria das pessoas, pois ele não dependia do sucesso de vendas
para sobreviver. No entanto, a partir do século XVIII, o mercado editorial
cresce substancialmente e os escritores passam a depender da venda de seus
livros para se manterem: “Resta ao escritor uma escolha entre a busca pela
emancipação artística, mantendo a autenticidade de seus escritos, contudo sem o
retorno financeiro, ou a submissão às exigências de um vasto público leitor
consumidor para garantir a independência financeira” (CORTINA; SILVA).
O que é indústria cultural?
Para fazermos uma crítica mais aprofundada aos best-sellers e a
concepção de arte que os rege, é importante compreendermos o conceito de
indústria cultural, formulado pelos pensadores alemães Theodor Adorno e Max
Horkheimer e utilizado pela primeira vez no livro Dialética do Esclarecimento,
publicado em 1947.
“(...)em todos os seus ramos (da indústria cultural- tais como
cinema, rádio, literatura) fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos
adaptadosa o consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo.”
A indústria cultural é o sistema que, segundo Adorno, rege a
produção cultural voltada para as massas. Esses produtos são planejados para
atingir um grande número de pessoas, e, portanto, tem como principal objetivo
servir aos interesses do mercado. Os best-sellers, como o próprio nome já diz,
são, acima de livros pertencentes a algum gênero, livros que vendem muito e são
escritos para vender muito.
Tomemos como exemplo a recente onda de livros de magia e
personagens sobrenaturais que tomou a prateleira dos livros infanto-juvenis.
Não é por acaso que numa mesma década livros como Harry Potter, Percy Jackson, saga Crepúsculo
e Fronteiras do Universo tenham sido escritos e vorazmente
consumidos pelo público jovem. Também não é por acaso que não tenhamos citado
aqui nem um único título, por assim dizer, mas apenas os nomes das séries (que
chegam a conter sete livros), e também não é uma grande coincidência que todos
eles tenham sido adaptados para o cinema. Podemos perceber uma produção massiva
que possui grande potencial de adaptação para outras linguagens como o cinema,
e que, além de tudo, alimenta a indústria de videogames, material escolar e
brinquedos. Apesar de parecer que o jovem escolheu gostar disso, por todos os
lados ele enfrenta uma forte pressão para gostar disso. Esse estímulo enorme da
indústria cultural à produção de livros deste nicho temático é o que determina
o gosto dos jovens por esses assuntos, e não o contrário, como se pode pensar.
Talvez o primeiro Harry
Potter não tivesse a pretensão
de vender tanto, agradar a tanta gente, virar filme e se tornar mania, mas
assim que foi possível perceber o interesse de uma parcela de consumidores por
esse sub-gênero da literatura, todos os outros volumes que sucederam o primeiro
já foram escritos com contrato fechado com a produtora de filmes.
“As massas não são a medida, mas a ideologia da indústria
cultural, ainda que esta última não possa existir sem a elas se
adaptar”(ADORNO)
Ler ou não ler? (eis a questão)
A subordinação do best-seller aos interesses do mercado pode
criar em alguns leitores um sentimento de profunda repulsa e reações do tipo:
“prefiro nem ler, isto não é arte, não chega nem aos pés de um Machado de
Assis”. Talvez em termos de valor literário e erudição, o best-seller ofereça,
de fato, motivos de sobra para ser renegado por aqueles que se interessam por
literatura, mas será que dentro do processo de formação de leitores ele não
pode ter um papel importante?
Uma das principais funções do professor é conseguir realizar propostas
em sala de aula que sejam capazes de dialogar com o repertório dos alunos, para
isso é preciso captar de alguma forma quais são seus interesses, se gostam de
ler e, principalmente, que tipo de leitura os agrada. Vamos imaginar uma
situação em que um professor da oitava série precise introduzir textos do
Machado de Assis para sua classe. Ele faz uma roda de conversa e descobre que
menos da metade da classe gosta de ler; descobre ainda que, dentre os que
gostam, a grande maioria inclui best-sellers e livros que não são clássicos
entre os seus prediletos. O que este professor pode fazer? Se ele passar um
Machado de Assis agora, corre o risco de afastar aqueles jovens leitores que
estão começando a entender do que gostam, se ele passar um best-seller, corre o
risco de viciar a leitura dos alunos em uma literatura comercial de pouco valor
artístico. O que é mais importante, então? Ler qualquer coisa ou ler
determinado tipo de literatura? É claro que não há uma única resposta para esta
questão, mas algo que deve ser levado sempre em conta é a realidade dos seus
alunos. O professor não pode negar todo o universo cultural deles (seja ele
inteiramente formado por produtos da indústria cultural ou não) e propor uma
leitura absolutamente estranha a todos, que vai se apresentar a eles como uma
espécie de desafio intransponível para o qual ainda não estão preparados. Esta
situação requer do professor uma mediação capaz de fornecer ao aluno
ferramentas que o possibilitem a escolher por si mesmo o que quer ler. Cabe ao
professor a difícil tarefa de ajudar os estudantes na libertadora transição da
leitura de livros pouco complexos e conservadores em sua forma para livros
questionadores da realidade, nos quais a elaboração estética da linguagem
atribui às palavras a deliciosa capacidade de surpreender o leitor, colocando
em xeque seus valores e sua concepção de mundo.
Existem várias teorias acerca da leitura de best-sellers na
escola, uma delas chama-se “teoria do degrau” e supõe que a leitura desses
livros pode ser parte de uma “escada qualitativa”, o princípio é mais ou menos
o seguinte: se você gostar de ler best-sellers, será mais fácil procurar ler
outras coisas, pois você já possui o principal atributo do bom leitor, o gosto
pela leitura.
Acontece
que o cuidado na hora de passar um best-seller na aula de literatura deve ser
redobrado se o professor tiver a pretensão de desenvolver a consciência crítica
dos alunos. A análise de um best-seller não pode ignorar a presença de
lugares-comuns temáticos e não pode esquecer de analisar os livros formalmente,
pois é aí que mora a principal diferença entre estes livros e os clássicos: os
best-sellers, voltados sempre para o consumo do grande público, não são
escritos para o leitor desfrutar de uma organização diferenciada da linguagem,
são escritos com o propósito de não oferecer nenhum tipo de resistência ao
leitor que possa atrapalhar sua compreensão e, consequentemente, sua vendagem.
Se o professor decidir mediar esta difícil tarefa, é de suma importância que
questione com os alunos o porquê de aquele livro ser um best-seller, bem como a
sua semelhança com outros best-sellers e as suas diferenças com os clássicos.
Talvez renegação desses livros em sala de aula não seja uma boa
estratégia para incentivar os alunos a ampliarem seu repertório artístico, o
risco de essa forma consolidar uma imagem de que “livro chato (clássico) a
gente lê na escola e livro legal (best-seller) a gente lê em casa” é muito
grande. O professor de literatura precisa se esforçar para diminuir a distância
entre o aluno e os livros clássicos, mostrando que eles não são “difíceis de
ler”, escolher trabalhar um best-seller pode ser positivo neste sentido de
avaliar coletivamente o que é um livro considerado “fácil e prazeroso de ler” e
quais são os motivos disso. É preciso preparar o aluno com as ferramentas
necessárias para ler o que quiser. Todos obviamente podem ler best-sellers, mas
um leitor melhor preparado consegue escolher qual é o livro que melhor dá conta
da sua subjetividade. Quando podemos de fato escolher o que queremos (e
precisamos) ler, o livro adquire outra função além da fruição estética: a
profunda ampliação das nossas possibilidades expressivas.
Bibliografia
CORTINA; SILVA. “Um olhar sobre a leitura de best-seller”.
Revista Travessias, nº 02.
ADORNO, Theodor. “Resumé sobre indústria cultural”. Originalmente este ensaio foi uma conferência radiofônica proferida por Adorno em 1963. Publicado pela primeira em 1967.
ADORNO, Theodor. “Indústria cultural e sociedade”. Ed. Paz e Terra, 2009; 5ª edição.
ADORNO, Theodor. “Resumé sobre indústria cultural”. Originalmente este ensaio foi uma conferência radiofônica proferida por Adorno em 1963. Publicado pela primeira em 1967.
ADORNO, Theodor. “Indústria cultural e sociedade”. Ed. Paz e Terra, 2009; 5ª edição.
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