quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Cada coisa em seu lugar


É preciso mostrar ao aluno que escrever com atenção aos tópicos ajuda a preservar a unidade estrutural e temática dos textos

A boa prosa deve apresentar ordem e progressão. Ordenar é garantir uma sequência em que se vá com clareza do primeiro ao último parágrafo. Para conseguir isso é preciso relacionar os componentes textuais de modo a assegurar a continuidade da forma e do conteúdo - se é que se pode, a rigor, separar esses dois planos linguísticos. A continuidade formal, que se obtém basicamente por meio dos elementos coesivos, promove a coerência e tende a conferir unidade ao texto. Ela contudo não basta para torná-lo claro ao leitor. À exigência de uma rigorosa coesão associa-se a necessidade de uma boa arquitetura. O texto funciona quando sentenças e parágrafos estão dispostos numa ordem tal, que nada compromete a legibilidade. O que não se lê fácil está mal escrito.

Para tornar legível o texto é preciso rigor na construção das partes. Espera-se da sentença que seja completa (não são raros nas redações os fragmentos de frases). Do parágrafo, espera-se que tenha unidade, apresente-se suficientemente desenvolvido e se articule com o parágrafo seguinte de modo a promover a progressão. A harmonização entre sentenças e parágrafos concorre para assegurar ao texto unidade temática. Atender a ela é fundamental para evitar o maior risco que o aluno pode correr: fugir ao tema e ter sua redação anulada. A melhor maneira de evitar isso é entender o que vêm a ser os tópicos e estruturar o texto de acordo com eles.

A importância da hierarquia nos textos

O que é um tópico? É o componente mais importante de uma sentença, de um parágrafo ou de todo o conjunto textual. Daí se falar em tópico sentencial, tópico frasal e tópico discursivo. Escrever de olho neles ajuda a hierarquizar os elementos do texto.

Tópico discursivo

Comecemos pelo último - o tópico discursivo. Ele indica o assunto e deve constar na introdução. A boa introdução é aquela em que se informa o leitor sobre aquilo de que se vai falar. Redações em que não se faz isso, ou se faz mal, tendem a apresentar problemas de unidade e se tornam um desafio maior para quem não tem experiência com a escrita.  

A introdução falha em dois casos: ou quando constitui o que em linguagem jornalística se chama nariz de cera; ou quando representa uma resposta direta ao questionamento proposto nos textos de suporte. O nariz de cera é um preâmbulo que muitas vezes nada tem a ver com o tema (evitamos aqui discutir a diferença entre tema e assunto, irrelevante para o que nos interessa). Aparece ora como uma ponderação subjetiva, ora como uma digressão sobre o ser humano, os males do capitalismo, a difícil caminhada do homem na Terra etc. etc. Redigir isso é perda de tempo. A resposta direta ocorre quando o aluno não se preocupa em introduzir o texto, iniciando-o pelo meio através de expressões como "de fato", "é verdade", "não há dúvida de que" etc. Isso contraria a velha máxima de Aristóteles, segundo a qual a introdução é o que não admite nada antes, e deixa o leitor sem saber de que trata a redação (é claro que os membros da banca sabem de que ela trata, mas um texto deve dar a qualquer leitor todas as informações necessárias para interpretá-lo).

Tópico sentencial

O tópico sentencial, como o nome diz, é a palavra ou expressão de que basicamente se fala numa sentença. Vê-se, pela definição, que ele coincide com o sujeito. A manutenção desse tópico em posição inicial ajuda a compor parágrafos claros, entre outras razões pela referência do verbo a um mesmo termo sintático. Na passagem abaixo não se observou esse princípio:

"A ONG Nova Vida trata a espiritualidade dos viciados com muita atenção, o que, segundo os jovens, os auxilia a enfrentar os desafios após a saída do centro. Além disso, frequentemente são oferecidas aos internos aulas a fim de que eles estejam preparados para o mercado de trabalho."

Seria mais fácil ler o trecho se o tópico "a ONG Nova Vida" continuasse como sujeito no início do segundo período. É dele, afinal de contas, que ainda se fala. No entanto o aluno preferiu apassivar a construção e dar como sujeito "aulas" ("aulas são oferecidas"). Por que não dizer que a ONG oferece aulas? Quebras como essa, comuns nas redações, geram falhas de continuidade e desnorteiam o leitor.

Tópico frasal

O tópico frasal, por fim, é a sentença (ou sentenças) em que se encontra a ideia principal do parágrafo. Geralmente também aparece no início e se constitui numa declaração a ser justificada, desenvolvida, amplificada. Grande parte dos problemas de paragrafação decorre de um desenvolvimento insuficiente do tópico frasal. Ou de o aluno limitar o parágrafo a um período. Neste caso o tópico aparece como uma cabeça sem corpo, o que impede o texto de andar. Articular bem o parágrafo é fundamental. Quando isso não ocorre, o texto não apresenta uma progressão coerente. É o caso destes parágrafos com que um aluno iniciou uma redação sobre a violência contra as mulheres, tendo como referência o caso Bruno:

"A violência contra as mulheres vem tomando grandes proporções no Brasil. Diariamente são registrados casos que aterrorizam o país e muitos deles adquirem grande repercussão na mídia. Um exemplo é o caso da modelo Elisa Samudio.

"O goleiro Bruno foi acusado do desaparecimento e suposto assassinato da sua ex-namorada Elisa Samudio, e no momento encontra-se preso como o principal suspeito do crime. Após procurar a juíza Ana Paula de Freitas com um pedido de proteção, declarando sofrer ameaças e agressões do goleiro, a modelo desapareceu."

Concatenação

Aí existem, na verdade, dois começos de redação. Um dos fatores que reforça a descontinuidade é a forma como o aluno se refere à ex-namorada do goleiro, que parece não ter ainda sido citada.
Haveria concatenação se "a modelo Elisa Samudio", representada por um pronome ou qualquer outro termo coesivo, iniciasse o segundo parágrafo. Isso permitiria inclusive uma melhor ordenação dos eventos, já que Elisa poderia aparecer também como sujeito do segundo período.

Eis o referido parágrafo redigido de outra forma: 

"Ela foi supostamente assassinada pelo goleiro Bruno, que se encontra preso por ser também suspeito de haver-lhe escondido o corpo. Elisa desapareceu dias após ter procurado a juíza Ana Paula de Freitas com um pedido de proteção por sofrer ameaças e agressões do jogador."
Transformações como essa mostram que a manutenção do tópico concorre para dar clareza e unidade ao parágrafo.

FONTE: Revista Língua Portuguesa
http://revistalingua.uol.com.br/textos/0/cada-coisa-em-seu-lugar-253973-1.asp


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