Sobre livros acadêmicos
Aldo Bizzocchi
Quando fazia meu
doutorado, nos anos 90, precisei usar como corpus amostral da minha pesquisa
textos acadêmicos de diversas áreas, tanto das ciências naturais quanto das
humanas (eu estava pesquisando a etimologia dos termos científicos). E, para
tornar a amostra mais abrangente e fidedigna, decidi utilizar tanto artigos
quanto livros. Para minha surpresa, descobri que, nas ciências naturais, não se
publicam mais livros científicos desde a Segunda Guerra Mundial. A tendência
desde então é publicar "papers" em periódicos especializados, de
preferência os chamados "top A", isto é, os de maior prestígio e
impacto no meio científico, como as revistas "Science" e
"Nature".
Enquanto isso, só
nas humanas se manteve o hábito de publicar livros acadêmicos, em geral ensaios
filosóficos em que um tema é esmiuçado em tal profundidade que ultrapassa os
parcos limites de um artigo (de 15 a 20 páginas, no máximo). Ou então
coletâneas de artigos, em que um organizador reúne as contribuições de vários
colegas acerca de um tema.
O que se nota é que
os atuais "papers" das ciências exatas e biológicas versam sobre
descobertas pontuais, como a identificação de um novo vírus ou a apresentação
de uma nova técnica, coisas que podem ser ditas em até 20 páginas. Já uma nova
teoria sobre a vida ou o universo, produto da somatória de muitos artigos
especializados, costuma resultar em livros de popularização, redigidos em
estilo jornalístico e disponíveis ao público em geral em qualquer livraria. O
mesmo vale para coletâneas de artigos de divulgação científica.
Em resumo, o livro
propriamente acadêmico, dirigido à comunidade universitária, acabou restrito às
ciências humanas e às humanidades (não confundir umas com as outras, pois
humanidades não são ciências). Mas por que nessas áreas ainda se publicam
livros em vez de seguir a tendência da comunicação direta, sucinta e objetiva
dos "papers"? Em primeiro lugar, porque o discurso das humanidades,
por sua própria natureza, não é direto, sucinto e objetivo. Discorrer
profundamente sobre uma questão é algo que dificilmente se faz em poucas
páginas. Além disso, em áreas como o Direito, por exemplo, a prolixidade e a
eloquência fazem parte da própria lógica discursiva. Ou pelo menos do estilo do
"métier".
Outra razão para a
existência de livros em humanas é que boa parte deles são coletâneas de
comunicações apresentadas em congressos. Mas para isso já não existem os anais
dos eventos? Por que então publicar novamente em livro? Em alguns casos, o
livro acaba substituindo os anais. Ou melhor, os anais acabam publicados em
forma de livro. Em outros casos, publicam-se os anais e o livro. E como a
publicação de livro conta mais pontos nas avaliações institucionais das universidades
do que a de artigo, essa estratégia acaba "engordando" os currículos
dos autores.
Decerto há livros
científicos em todas as áreas, e não só os lançados antes da Segunda Guerra,
mas nas ciências naturais o mais comum são os tratados, que têm um caráter mais
didático do que propriamente de pesquisa. Tanto que os tratados de anatomia são
mais consumidos por estudantes de Medicina do que por pesquisadores. A razão é
simples: um tratado traz o que já se sabe sobre o assunto, aquilo que se ensina
em sala de aula. Já uma obra de pesquisa apresenta o novo, o recém-descoberto.
Como muitos trabalhos em ciências humanas ainda têm um forte viés filosófico, o
esquema introdução/fundamentação/material/método/conclusões, típico das
ciências experimentais, não cabe bem nessas ciências, frequentemente muito mais
teóricas do que práticas.
Quanto à publicação
de obras de difusão em ciências humanas, esbarra-se em dois empecilhos.
Primeiro, o viés filosófico e o estilo retórico de que falei acima tornam esses
livros pouco atraentes ao público leigo. Em segundo lugar, a curiosidade
popular sempre recaiu sobre questões mais "existenciais", como a
origem da vida ou do universo, do que sobre temas sociais, políticos ou
econômicos, tidos como "chatos" pela maioria dos cidadãos comuns.
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